A nova cara da Paulista

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Entre 9 e 29 de abril de 1990, nada menos do que 1,5 milhão de pessoas foi a agências do banco Itaú e postos volantes, na cidade de São Paulo, num exercício de cidadania que ia além de saques, depósitos e pagamentos. Conclamadas a eleger o símbolo da capital paulista, elas votaram entre 20 cartões-postais paulistanos. Podiam ser eleitos marcos como a avenida Paulista, o parque Ibirapuera, o Museu do Ipiranga, a catedral da Sé, o monumento às Bandeiras e outros.

A vencedora, com quase 23% do total, foi a avenida Paulista. O anúncio com o resultado, publicado nos jornais pelo banco, mostrava uma imagem aérea da avenida, com o olhar partindo da rua da Consolação em direção ao bairro do Paraíso. Engarrafada da primeira esquina até onde a vista alcançava, era um símbolo de pujança econômica, num Brasil que havia acabado de exercer o voto direto à Presidência da República, depois de mais de 25 anos sem ir às urnas.

A avenida continua sendo o símbolo da cidade. Foi eleita novamente em 2014, numa escolha pela internet organizada pela Rede Globo. Mas, como um microcosmo de insatisfação e possibilidades, é uma outra Paulista: foi ocupada por diferentes grupos sociais e marcada pela efervescência da mobilidade, dos protestos e da abertura ao lazer aos domingos. Também ganhará em breve novos espaços culturais, que estão entre os mais importantes erguidos na cidade, nos últimos anos.

“A Paulista está passando por uma transformação que talvez seja a terceira etapa de sua existência”, diz Fernando Serapião, editor da revista especializada em arquitetura e urbanismo “Monolito”. “Ela já foi um espaço apenas residencial com os casarões do início do século XX, já foi um polo econômico com o alargamento da avenida, no fim dos anos 60, e agora está se transformando num centro cultural.”

Com as inaugurações previstas para 2017, a Japan House, o Instituto Moreira Salles e uma unidade reformada do Sesc deverão fazer com que, quarteirão após quarteirão, exista um equipamento cultural importante na avenida. Já estão ali o Masp, o Itaú Cultural, a Casa das Rosas, o Instituto Cervantes e a galeria do Sesi, sem contar as salas de cinema do Reserva Cultural e a Livraria Cultura. Nas imediações, o prédio Santos Augusta, na esquina homônima, vai abrigar um teatro, também assinado pelo arquiteto Isay Weinfeld. No lado do centro, o complexo a ser erguido no antigo Hospital Matarazzo terá um modelo “baseado na valorização da cultura e da economia criativa”.

“A Paulista [foi escolhida porque] é permeável à cidade inteira”, diz Marcello Dantas, diretor de planejamento e curador da Japan House. “Se levássemos nossa estrutura para a Faria Lima, perderíamos o pedestre. Se fôssemos para o centro, uma parte da cidade não iria ao museu.” Para ele, a Paulista tem a mescla social mais rica de São Paulo e é a fronteira entre o mundo do pedestre, da bicicleta, do metrô, dos executivos, dos estudantes, da comunidade gay, dos moradores da região e de outros bairros da cidade. “São Paulo é uma cidade policêntrica e a Paulista é o centro dos policentros”, afirma.

Essa é uma perspectiva ideal para os centros culturais, como a Japan House, que pretende não se restringir apenas ao público da região ou da cidade, mas atingir toda a América Latina. “Não queríamos ser uma extensão da Liberdade porque é uma área muito marcada por um Japão anterior, o de meus pais e meus avós, das ondas migratórias que vieram após as grandes guerras”, diz Angela Hirata, presidente da Japan House São Paulo. No período após a Primeira (1914-1918) e Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Japão era um país que passava por dificuldades financeiras e sociais, com uma cultura fechada. “A Liberdade foi um bairro importante para trazer a cultura japonesa ao Brasil, mas a Japan House vai mostrar o Japão contemporâneo.”

Além da unidade paulistana, haverá mais duas Japan Houses: uma em Los Angeles e outra em Londres. O projeto do primeiro-ministro Shinzo Abe – que apareceu caracterizado como Super Mario no encerramento da Olimpíada do Rio – busca mostrar esse “novo” Japão ao mundo ocidental. Só na unidade brasileira estão sendo investidos US$ 30 milhões, num projeto do premiado arquiteto japonês Kengo Kuma.

“É uma decisão bastante transformadora expor o Japão, que tem arte, cultura, manifestações, design, formas de pensamento muito próprias, criativas e sofisticadas, a partir de um olhar brasileiro”, diz Dantas, que já foi diretor artístico do Museu da Língua Portuguesa e curador de exposições no Centro Cultural Banco do Brasil nas unidades do Rio, de São Paulo e Brasília. “Foi delicioso perceber que São Paulo foi uma das pontas desse triângulo de cidades que trarão esse conhecimento ao mundo ocidental, não porque alguém tinha um tio querido na cidade, mas porque é um polo formador de opinião na América Latina.”

Na outra ponta da Paulista, próxima à rua da Consolação, o Instituto Moreira Salles (IMS) já está com as sete lajes erguidas e entrando em fase de acabamento. “O instituto fez uma viagem de circunavegação”, diz Flávio Pinheiro, superintendente do IMS. Isso porque o terreno, no qual funcionava o estacionamento perto do Cine Belas Artes, foi comprado no início dos anos 2000, caso a instituição eventualmente quisesse ter uma presença maior em São Paulo. Não era uma decisão simples. A sede do instituto, na Gávea (RJ), fica numa casa icônica da arquitetura brasileira dos anos 50, com jardins de Roberto Burle Marx (1909-1994), num terreno de 11 mil m2 de floresta da Tijuca. Era a residência da família Moreira Salles, fundadores do Unibanco e hoje sócios do Itaú Unibanco. “Poucos museus do mundo têm mais de uma unidade basicamente porque é muito caro”, afirma Pinheiro.

Sair de São Paulo, onde o IMS já tem uma pequena galeria no bairro de Higienópolis, seria uma espécie de deserção. “É a cidade culturalmente mais efervescente do país e a mais contemporânea no sentido dos seus nexos com o mundo”, diz Pinheiro. “Além disso, ficar em São Paulo é estar num ambiente de emulação, para usar uma palavra menos antipática que competição: é fácil ser o rei da fotografia no Rio. Em São Paulo, há mostras excepcionais no Masp, na Pinacoteca, no Tomie Ohtake, no MIS, nas galerias e livrarias dedicadas exclusivamente à fotografia.” No cinema, a questão é semelhante. Numa região na qual há o Caixa Belas Artes, o CineArte, o Reserva Cultural, o CineSesc e o Espaço Itaú exibindo filmes de arte, o IMS vai ter de pensar bem sua programação para lotar a sala de 150 lugares.

Tomada a decisão de erguer o IMS em São Paulo, outras regiões da cidade foram prospectadas, entre elas a Nova Luz. “O terreno na Paulista impunha dificuldades porque qualquer coisa que se fizesse ali seria compulsoriamente vertical e tínhamos dúvidas se caberia algo minimamente interessante numa área tão pequena”, afirma Pinheiro, que foi editor-chefe do jornal “O Estado de S.Paulo” e curador da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Com investimentos de cerca de R$ 80 milhões na construção, foram feitos dois novos aportes pela família ao fundo de endowment que sustenta o IMS: um para erguer o prédio e outro para que fossem mantidos dois museus de grande porte em funcionamento.

Mesmo podendo contratar qualquer arquiteto do mundo, o IMS decidiu fazer um concurso entre seis escritórios brasileiros. Os arquitetos tinham entre 40 e 60 anos e estavam prontos para assumir projetos importantes. Era um jeito de, como se propõe o IMS, estimular a cultura brasileira. O projeto vencedor foi feito pelo escritório Andrade Morettin, que criou uma caixa de vidro, cuja entrada fica a 17m de altura. “Um dos principais aspectos do nosso projeto foi a relação do museu com a avenida”, diz Marcelo Morettin, de 47 anos. “Queríamos ajustar a energia da Paulista para a qualidade interior do museu e, para isso, fizemos a praça no alto, numa espécie de transição para o acolhimento num ambiente de maior introspecção.”

O envelopamento numa pele de vidro translúcida, por sua vez, permitirá que os passantes da avenida vislumbrem o movimento do museu e dará tranquilidade aos visitantes, explica Morettin. A expectativa é de que, com a nova casa, o IMS ganhe um peso inédito. “Quando fazemos uma exposição bem-sucedida na Gávea, que dura uns três meses, alcançamos um público de 35 mil a 38 mil pessoas”, afirma Pinheiro. “Quando trouxemos a exposição do [artista sul-africano William] Kentridge a São Paulo, em parceria com a Pinacoteca, foram 100 mil pessoas.” Na Paulista, o impacto poderá ser ainda maior, pela facilidade de acesso. Além de exposições, filmes, cursos e biblioteca de fotografia com 8 mil livros, os frequentadores também terão no IMS o restaurante Balaio, comandado pelo chef Rodrigo Oliveira, do badalado Mocotó. A instituição também negocia uma obra do escultor americano Richard Serra, a ser colocada dentro do prédio.

A perspectiva de atingir um público maior também justificou a mudança do Sesc Paulista, a mais simbólica desta fase de polo cultural da avenida. A unidade deixou de ser a sede da instituição em 2005, quando se transferiu para o Belenzinho. “Conseguimos, ao mesmo tempo, valorizar uma área importante na zona leste e ter um lugar nobre para exposições e eventos numa região de grande circulação [avenida Paulista]”, afirma Danilo Miranda, diretor regional do Sesc SP.

Atrasada há dois anos, a inauguração do novo Sesc está prevista para o segundo semestre de 2017. “Tivemos problemas com a construtora [Mendes Junior, envolvida na Operação Lava-Jato] e mudamos o projeto algumas vezes”, diz Miranda. Além da reforma do espaço, que custará cerca de R$ 100 milhões, a rua Leôncio de Carvalho, entre o Itaú Cultural e o Sesc, deverá se transformar num bulevar sem circulação de carros, onde os dois centros culturais farão eventos. O projeto está em fase final de aprovação na prefeitura.

Além das novidades da Paulista, o entorno também deverá ter ofertas culturais importantes. O grupo Allard, à frente do complexo que deverá ficar no lugar do antigo Hospital Matarazzo, promete anunciar neste mês novidades sobre o projeto. A cerimônia da pedra fundamental foi feita em abril de 2015 e, até agora, foram demolidas as edificações não tombadas pelo patrimônio histórico, estudos para a manutenção de árvores e as fundações da torre do hotel seis estrelas, da bandeira de luxo Rosewood, a ser inaugurado em 2019.

O hotel é desenhado pelo arquiteto francês Jean Nouvel, ganhador do Pritzker em 2008, o mais importante prêmio de arquitetura do mundo, e autor de projetos como a Fundação Cartier, em Paris, e a filial do Louvre em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. A ideia é construir um edifício-paisagem, espécie de jardim vertical onde a vegetação ocupa espaços públicos, terraço e telhado. Será integrado ao prédio da maternidade Filomena Matarazzo. “Não só vai aumentar o senso de continuidade entre a torre e o seu entorno, mas também oferecer uma proteção adequada aos residentes das suítes”, afirma a empresa. Anunciado como um projeto de US$ 1 bilhão, o complexo promete ter shopping, escritórios, cinemas e restaurantes.

Do outro lado da Paulista, o Santos Augusta ocupa o lugar no qual funcionava o estacionamento em frente ao Conjunto Nacional. O prédio de uso misto com escritórios e comércio, terá em seu primeiro andar um teatro que “as pessoas tenham vontade de ir só para conhecer”, como afirma Fernando Tchalian, presidente-executivo da Reud, dona do projeto. Criado em linhas curvas, atualmente está sendo detalhado por diferentes consultorias, entre elas a Dueto, de Monique Gardenberg. Também terá restaurante, cafés e lojas no térreo.

Tchalian era, com sua família, controlador da Capodarte, vendida para o grupo Paquetá em 2007. Ele diz trazer um espírito de varejo, de traduzir as necessidades dos clientes, aos empreendimentos nos quais investem. “Quando decidimos investir, começamos a pensar: ‘Quem vai ocupar? O que essas pessoas querem? O que o empreendimento trará de bom ao entorno?’ Não construímos apenas pelo menor custo, para vender pelo maior preço porque somos donos dos empreendimentos”, diz. “Geramos fluxo de pessoas porque não adianta nada ter um prédio enorme e vazio.”

Entre as propostas para que a comunidade abrace o projeto, por exemplo, estão calçadas maiores e com espaços verdes nas duas ruas em frente ao prédio, bem como criar movimentação à noite, numa região um pouco mais deserta no período. “Somos desenvolvedores, construtores e ocupamos os projetos por 30, 40 anos”, afirma Tchalian. “Por isso, investimos numa arquitetura que envelheça de forma correta, de maneira atemporal.”

Assim, o prédio – localizado na frente do marco do modernismo de David Libeskind e vizinho ao Plavinil-Elclor, de Rino Levi, onde hoje funciona o Ibope – recebeu uma assinatura à altura. Isay Weinfeld desenhou-o em caixas dissonantes, que lembram um pouco o premiado edifício 360O, na Pompeia. Há alguma possibilidade de abrigar um restaurante na caixa mais alta, na cobertura. “Desde que foram construídos os primeiros prédios, a Paulista sempre foi um endereço relativamente nobre e os arquitetos, na maioria das vezes, foram bem escolhidos”, afirma Serapião. “Na avenida, há uma amostra nada desprezível, com um pouco de tudo o que de melhor o Brasil já produziu em termos de arquitetura, seja em residenciais, comerciais e mesmo em obras-primas como o Masp e o Conjunto Nacional.”

Segundo Serapião, poucas avenidas importantes no mundo têm escala parecida, com prédios de tamanho semelhante e de diferentes épocas. “O [arquiteto e historiador italiano Paolo] Portoghesi afirmou que a Paulista é uma das avenidas mais belas do mundo”, diz. “Não foi à toa.”

Para os especialistas, porém, toda essa efervescência dos últimos anos tem um outro lado: ocorreu uma certa degradação econômica para que houvesse a consequente ocupação popular. “Até alguns anos atrás, era impensável ver shoppings de produtos chineses ou lojas populares como Marisa e Riachuelo na avenida”, diz Serapião. Era a avenida que abrigava o restaurante Fasano, onde Nat King Cole (1919-1965) cantou, sob os aplausos de Marlene Dietrich (1901-1992) e David Niven (1910-1983), nos anos 60; onde Madame Rosita vendia peles para a alta sociedade até os anos 90. “Quando o polo financeiro da cidade se transferiu para a Faria Lima, o público que frequenta a Paulista também mudou.”

O mercado imobiliário refletiu essa tendência. Apesar de ser uma região de baixa vacância, a avenida praticamente não tem prédios triple A, como são classificados os escritórios ocupados por grandes corporações. “A Paulista se tornou uma região de escritórios pequenos, startups e coworking”, diz Gustavo Garcia, gerente de pesquisa e inteligência de mercado para América do Sul da Cushman & Wakefield. “O fácil acesso pelo transporte público somado às lajes pequenas e os prédios mais antigos atraem hoje um outro tipo de ocupante.” Mais contemporâneo e menos apegado a seu carro, ele não se importa tanto com as passeatas e os protestos frequentes que, segundo Garcia, também afastam grandes corporações.

Os atrativos da Paulista, porém, pesaram mais para o Banco do Brasil, que está centralizando operações espalhadas na avenida na torre Matarazzo, no Shopping Cidade São Paulo. O BB ainda continuará com presença perto da Consolação, onde está desde 1985, mas ao novo endereço irão as áreas que cuidam dos clientes corporativos e private banking, entre outras. “Não fizemos uma pesquisa para tomar a decisão, mas nas conversas informais com os funcionários percebemos que eles estavam satisfeitos em trabalhar na Paulista”, diz Gustavo Lellis, gerente executivo da diretoria de suprimentos corporativos e patrimônio do BB.

Para ele, os funcionários do banco veem a facilidade no transporte ou a ida ao cinema após o expediente como uma vantagem maior do que os inconvenientes trazidos pelas passeatas. Foi na Paulista onde, em 1992, nasceram os “cara-pintadas” e na qual, em 2013, as jornadas de junho contra o aumento no transporte público explodiram em manifestações de insatisfação geral. Os jovens que participaram do movimento ajudaram a abrir espaço para que outros grupos passassem a se manifestar. “É claro que os protestos acontecem na Paulista: é lá que a sociedade se visualiza, como Nova York se vê na Quinta Avenida”, diz Dantas.

Fonte: Valor Economico

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